4 de outubro de 2012

Le déterminisme et le caractère inévitable




- Sabe qual é o seu problema?

- Não. Me diga: qual é o meu problema?

- Essa sua atitude despreocupada. Você não se previne contra o que se pode perfeitamente evitar. 

- Só porque não saio de casa com meu kit de "prevenção de incidentes"? Guarda-chuva, protetor solar... 

- Não custa ser prevenido. Pode se evitar muita coisa, você sabe. 

- Como da última vez que você acertou em levar o guarda-chuva, mas não contava com a ventania. Se soubesse que ficaria na chuva com o cabo do guarda-chuva na mão, teria lembrado de levar a capa?

- Foi uma fatalidade. 

- A isso me refiro. Fatalidade e controle. Merdas acontecem, independentemente do controle que, eventualmente, mas não irrestritamente, tenhamos sobre nossas escolhas.

- Mas não custa se prevenir. Veja, por exemplo, uma pessoa que sai à noite e toma um atalho escuro e isolado, para encurtar o trajeto. Ela deveria calcular os ricos, ter a noção de que por ali o perigo de sofrer uma agressão é maior do que se tomasse o caminho mais longo, porém menos arriscado. Se ela for assaltada, estuprada ou morta...

- A culpa será dela? 

- Não foi isso que eu quis dizer. Chame de "causa e efeito": a não prevenção...

- Provocou a agressão? Vê lá o que você diz...

- Vejo se você me deixar dizer. Refiro-me à consequências. No caso, à incidência da consequência sobre a inconsequência de tomar atalhos escuros e isolados, sabendo que se deve evita-los.

- Entendo o que são "riscos calculados", o que implicam e a que se aplicam. Estimar possibilidades em situações hipoteticamente prováveis ajudam a prevenir "acidentes de percurso". Mas se aplicam com sucesso aos incidentes, às fatalidades sobre as quais não se tem controle? Já que estamos falando de "crime e castigo", partindo do exemplo que você deu... onde fica a inconsequência da pessoa que opta fazer o percurso seguro e mesmo assim se torna vítima de um crime? O que ela "provocou" com a sua atitude consequente? 

- Não se trata de "erro e punição", a vítima não ocasionou o crime. Trata-se apenas de ver os riscos e assumi-los como possíveis e, dependendo da situação, prováveis.

- Não ocasionou, mas, de certa forma, contribuiu, não? Ao correr os riscos por desatenção, imprudência ou negligência, tornou-se omissa com sua segurança. Sua omissão tornou-a um alvo fácil. Embora eu esteja de acordo com o "calcular riscos", também não descarto o "merdas acontecem". O que me lembra a manipulação da idéia... 

- Qual delas?

- O argumento "consequência da inconsequência" é relativo. 

- Concordo. Se aplica a cada caso, segundo sua natureza e singularidades. Achei que estivesse implícito.

- Para os esclarecidos, sim. Para a maioria dominante, não. Todo cuidado é pouco. Um desvio de argumentação, apenas, para o argumento em questão servir de pano de fundo para o discurso falacioso sobre "quem tem mais culpa, a vítima ou criminoso?". 

- Do tipo: "Mulher que sai na rua "vestida como vagabunda" está pedindo pra ser estuprada!"; "Saiu de casa com shortinho alegando calor? Sem problema: se receber cantada obscena, ouvir piadinha sacana e for apalpada na rua, não venha reclamar."...?

- Touché! "É bonita? Vá se preparando pros avanços. Mas quem mandou ser bonita? Homens não se contém!"... A isso chamam "fatalidade". Afinal, "foge ao controle", não?

- E "fatalidades" assim acontecem o tempo todo. "Eu não pude evitar, foi mais forte que eu. Ela sentava no meu colo... me provocava, seo delegado..."; "O senhor entende o que diz? A sua filha de 7 anos de idade senta no seu colo e a isso o senhor chama de "provocação sexual?"... 

- E a "consequência da inconsequência" de se nascer negro? "Sua cor está pedindo pra apanhar!". Culpa deles, afinal: deveriam ter calculado os riscos genéticos antes de nascerem. 

- "Deus fez homem e mulher, não homem e homem, ou mulher e mulher. Não fez homem para ser mulher, nem mulher para ser homem. Quem vai contra isso é aberração. Está pedindo para ser execrado e receber a devida punição."

- "Culpa do homossexual, ora! Por que não se "preveniu" de ser assim?"

- "Agora aguente a "fatalidade" da sua "desorientação sexual"."

- Certos riscos são tão fatais quanto preveníveis.

- Ei! Estamos falando do homem em relação aos da própria espécie. Acha que seria diferente?

- Se o homem for um risco calculado, quiçá. Mas me inclino à 'fatalité'.

- Sei. "Merdas acontecem"?

- O tempo todo - homens acontecem.

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