18 de outubro de 2015

O que Buddha diria se acontecesse...


... o que aconteceu:


- Você acredita em Deus? 

- Acredito. 

- Mesmo? E no outro dia, quando você disse para o N. que não acreditava? 

- E não acredito. 

- Como é isso, então? Acredita, não acredita... Acho que foi para o D., que é meio confuso, que você disse que duvidava. 

- Eu duvido. 

- Vamos lá! Só pode ser um jogo! Acredita, não acredita... duvida... qual é? 

- Existe um jogo e eu o chamo de "tanto faz". Tanto faz a minha resposta, eu não pertenço à equação de nenhum dos três. Por que haveria de importar o que eu digo sobre qualquer coisa que compete a vocês, a seu tempo, 'acreditar, desacreditar e duvidar'? O meu "sim", o meu "não" e o meu "talvez" nada são além de reflexos do que esperam ouvir - afirmação, negação e dúvida. Mas saiba que, não importa o caminho - crença, descrença ou incerteza -, cada um segue por ele sozinho.



Da série Aconteceu que... (1)





- Amanhã terá grupo de discussão, papo-cabeça... vai participar? 
- Não. 
- Não? Mas por quê? Vamos, vai ser bacana, promete render alguns bons debates! 
- Não estou no clima. 
- Não está... o que aconteceu dessa vez? 
- Tsc, por que, diabos, vou debater sobre qualquer coisa quando as pessoas ainda discutem a cor da pele? 
- Danou-se. Acordou de saco astral virado. 
- Acordei o mesmo treco de sempre. O troço do mundo é que continua dormindo.


2 de setembro de 2015

Sofia e a Caixa

Ao fim das discussões daquela noite, sob a rede de estrelas, Sofia me perguntou o porquê de o mundo ir como vai, como se repetíssemos os erros dos que vieram antes de nós.

"O mundo que criamos está confuso, Sofia", eu disse, "Somos quase 8 bilhões de humanos e todos sentimos o peso dessa louca entropia. São poucos os que se mantém lúcidos durante uma viagem psicodélica. Em vários aspectos, evoluímos para o mais do mesmo. Hoje, tudo o que precisamos é de referências já que em outras épocas passamos por algo similar."

Sofia apontou culpados - o homem, a história. Culpou o tempo, que retarda o inevitável. Só não o fez com Deus ("Ele está fora dessa equação", garantiu). "O que fizemos do mundo?", ela me olhou.

"Tantas coisas... algumas interessantes, outras, uma catástrofe. O mundo é o reflexo do que fazemos conosco, Sofia. O homem que luta contra a sua natureza adaptativa é como um vírus, tem essa capacidade de se "cristalizar". Ele endurece, "perde a ternura", se "hermetifica" em sua pequena bolha de ilusões estáveis. E o mundo ao seu redor colapsa. Mudanças que a mão invisível do Tempo alimentou caem como bombas no meio da sua cabeça. Ameaçado em sua bolha e melindrado, ele parte para o ataque usando dos mesmos instrumentos que, outrora, foram empregados para impedir o avanço do devir."

"Sim, mas por que?", perguntou-me Sofia, "Se o passado está bem aqui, ao lado? É um livro aberto...", olhei sugestivamente para ela. "... que nem todos querem ou sabem ler".

"Porque, porque... Porque o homem teme e odeia aquilo que desconhece, porque teme e odeia o que não consegue controlar. Porque erros também são cíclicos. Mudam as gerações, os experimentados cedem lugar aos novatos e estes pretendem, como seus antecessores, fazer o próprio caminho. Ainda que a realidade não seja a mesma, os padrões se assemelham. Porque herdamos a nós mesmos. Mas não tenho interesse nos porquês, Sofia. Não que estorvem, apenas estão aí, todos eles, para quem os quiser ver. Há quase duas décadas minha atenção se volta para o Tempo - não o 'fugit', mas o onipresente. A Terra, seu núcleo, as partículas flutuantes, todo o Cosmo giram. E com eles também nós, em um túnel espiralado que atravessa o "oceano no fim do caminho" de ponto a ponto."

"Estou cansada e nem vi tantas Primaveras... O devir e o inevitável... estamos presos aqui, numa poça de areia movediça", ela apoiou o queixo na mão, os olhos fazendo contornos no chão.

Olhei para ela, olhei para o céu. Uma colcha escura crivada de furos atravessados pela luz.

"A medida do homem é o Entendimento. A boa notícia? Ele chega para todos."

Sofia ergueu os olhos. "E a má?"

"Ele fala a todos, mas nem todos o ouvem".

"E assim, poucos pagarão caro pelo erro fatal de muitos. Não é justo."

Ali perto, tive a impressão de ver uma boca felina cheia de dentes afiados sorrindo no escuro, um sorriso imenso. Um leve comichão passeou em meus lábios de um canto a outro. O gato na caixa revirou-se em seu sono. "Falemos da poesia da justiça e da crueza de sua funcionalidade em outra hora?", ergui-me. Ofereci-lhe a mão. Ela aceitou. As folhas secas estalando aos pés.

"Certo", exalou, "O que vem agora?".

"Que tal xadrez?" Ela riu.

"Você não gosta de jogar xadrez."

"Agora quem falou em jogar?", uma sobrancelha presunçosamente erguida, tocando a testa.

"Então o que?"

"Paciência. Em breve, você também entenderá."

27 de abril de 2015

Vive le Animation!


Outro dia, estávamos conversando sobre animações francesas. Pediram-me para indicar uma ou duas obras consideradas interessantes o bastante para valer a pena assistir. "Não indico duas, indico nove", eu disse, "... a começar:

Pelo espetacular clássico "AS BICICLETAS DE BELLEVILLE"...


... e os fabulosos "CONTOS DA NOITE"


... seguidos dos contos de horror "PEUR(S) DU NOIR"


Depois, o cult "PERSEPOLIS" 

 
... e o icônico "O MÁGICO".

 
Seguidos do genial "O GATO DO RABINO"...

 
... do outro felino, "UM GATO EM PARIS" 

 
 e da crítica animação de humor negro "A PEQUENA LOJA DE SUICIDIOS".



"Por fim, encerrando as indicações de hoje," eu disse, "com o belo "JACK E O CORAÇÃO MECÂNICO".



Depois veio a sessão "animações encantadas japonesas", com uma cascata de clássicos e modernos do tamanho de um mecha

Mas e vocês, tem algo em mente para animar o cinema em casa de hoje?

Hal 9000




 
"Você confia nessa pessoa para creditá-la tamanha confiança?", certa vez perguntei ao amigo. 

"Não cegamente, eu seria tolo se assim o fizesse", respondeu.


"Porém o suficiente", insisti.


"Creio que sim", deu de ombros, "Temos afinidades ideológicas e políticas, ela tem estado próxima, é do meu círculo".


"Círculos são quebrados o tempo todo, círculos podem sem viciosos", eu disse.
 

Ele pareceu considerar. "E se fosse você, o que faria?", questionou.


"Evitaria situações assim. Contudo, se fossem impossíveis de afastar, eu seria como o rei desconfiado que mantém sob vigilância os mais próximos de si".


Ele piscou, espantado, e sacudiu levemente a cabeça, sorrindo. "Por que ainda me admiro vindo de você?"


Deslizei no banco, esticando as pernas, e cruzei os braços. "Pense bem, é como o ponto cego de uma câmera", indiquei, com uma inclinação de cabeça, o equipamento no alto, acima de nós, com seu olho mecânico apontando para a praça. "O mais seguro é manter-se fora do seu raio de alcance, e que melhor lugar que o ponto cego? Estar perto da câmera o suficiente, sob ela, é a 'cobertura circunstancial' perfeita, o esconderijo e a camuflagem. O mesmo ocorre com os mais próximos, aqueles que chama de "amigos" pela conveniência da situação, esses a quem delega tarefas e poderes para falar e agir em seu nome".


Ele cruza os braços sobre a mesa de pedra. Ao lado, um cachorro sem dono fareja alimento. O incômodo revira em meu peito. "No meu lugar, o que faria?", ele acena. "O que sugere?"


"Eu não estaria no seu lugar. Por outro lado, não me custa sugerir e minha recomendação é redefinir aquele famoso ditado para algo mais apropriado".


"E que seria...?"


"Mantenha os inimigos perto (o suficiente do seu raio de visão)... e os amigos mais ainda".


"Você as vezes me dá medo", ele riu.


"É culpa de Sekhmet. Quando resolve transitar pelos corredores de Anúbis".