4 de agosto de 2012

Pandorum na Caixa: o gato de Schrodinger sorri para Alice







 
Sei de pessoas que dizem não ter entendido a trama e a mensagem contidas em "A Caixa", e não é para menos. Richard Kelly, o diretor do filme, é conhecido e, de certa forma, "temido", pela densidade da abordagem utilizada em suas histórias e que se tornou a sua marca registrada a partir de 'Donnie Darko' - outro filme, considerado por muitos uma obra-prima do cinema contemporâneo, que deu um nó no cérebro de muita gente... e nó do tipo cego.

De fato, o filme é complexo (mais pela alegoria utilizada do que pela idéia em si), muito embora a essência de sua mensagem esteja lá, límpida e radiante.

Não sei se o fato de estudar Ocultismo e manter um "affair" com teorias da Física Quântica facilita, digamos, a "aproximação mental" da mensagem contida em 'A Caixa' (assim como o  fez com 'Donnie Darko'); sei apenas que a proposta do filme me pareceu muito clara desde o momento em que o casal protagonista recebe a caixa misteriosa: ali, o livre-arbítrio seria uma das peças-chaves da história, porém não apenas ele - como acontece na vida-como-ela-é.
Temos três eixos reguladores em "A Caixa": o livre-arbítrio (apertar ou não o botão vermelho); o karma (toda causa acarreta consequência, coisa que é, inclusive, lembrada no filme e não só uma vez); e a conexão (kosmica) que os humanos possuem uns com os outros, reforçando a idéia de "responsabilidade universal" (quando alguém aperta o botão vermelho, morre alguém que já apertou o botão, e assim sucessivamente...).

Os três eixos estão perfeitamente interligados: uma escolha (livre-arbítrio) gera consequências (karma), que podem afetar o mundo ao redor (conexão kosmica entre os seres).

Por mais simples e clichê que seja, a frase mais importante de todo o filme é esta: "Se os seres humanos não sacrificarem seus desejos pessoais para o bem maior de sua raça,
não há chance de sobrevivência", pois é nesta oração que se concentra a "moral da história". Isso e mais o fato de que os "empregadores" (supõe-se que uma 'raça extraterrena', talvez de "Marte", já que é de Marte que mais se fala ao longo do filme... seja quem for, é muito, mas muito superior ao homem) optarão por destruir a raça humana, caso ela não mude. Nas palavras de seu "enviado", Mr. Arlington Steward, o Homem da Caixa.

E o que a maioria das pessoas parecia escolher quando recebia a Caixa? A impressão que se tem (inclusive quando se vislumbra o mapa mundi, com números que sempre se alteram no painel) é que a maioria escolhe "mal", isto é, opta por ficar com o dinheiro em troca da vida de alguém desconhecido. Mas ao fazer essa má escolha, consequências más são geradas, e aquilo que as pessoas poderiam aprender através do amor (sentimento de suma importância para o fechamento da trama, sendo "tema" do discurso da protagonista) acabam vivenciando através da dor: uma vida sacrificada arbitrariamente é "compensada" com a vida da pessoa responsável pela morte daquela (ou seja, quem aperta o botão e causa a morte de uma pessoa passa a ser a "próxima vítima"). Livre-arbítrio, causa e consequência, responsabilidade universal. Os três eixos reguladores em ação, em perfeita simetria e sincronia.


"A Caixa" me lembra duas outras caixas, experimentais e famosas entre físicos e psicólogos: a caixa de Schrödinger e a caixa de Skinner. A primeira faz parte de um experimento mental que versa sobre aleatoriadade quântica; e a outra, sobre condicionamento comportamental. Porém, ainda que ambos experimentos pertençam à ciências diferentes, ambos descrevem uma mesma "trajetória": que para toda causa, por mais desconhecida que seja, há uma consequência. Tal como no filme. O que nos leva a outro ponto:


Em determinado momento, Mr. Steward compara a existência humana a uma caixa, dizendo: "Sua casa é uma caixa. Seu carro é uma caixa sobre rodas. Vai trabalhar nela. Volta para casa nela. E ao chegar em casa, senta e assiste a sua caixa. A sua alma está envolta numa caixa, que é o seu corpo, o conjunto inevitavelmente ligado. Que finalmente é colocado numa caixa onde se decompõe lentamente." Quando interrogado sobre o destino final da humanidade após concluído o "teste" (a Caixa faz parte de uma espécie de provação humana para testar o seu valor), Mr. Steward conclui dizendo: "Forneço os dados a meus empregadores. E deixo tudo nas mãos deles. Não posso dizer que eles (os empregadores") não tenham um senso de humor bizarro." É aqui que a impressão de que tudo, as pessoas que passam pelo teste (em todo o mundo, supõe-se) e não só elas, tudo, isto é, o planeta inteiro, TAMBÉM está dentro de uma Caixa. Uma GRANDE CAIXA DE PANDORA.


O que é irônico, porque a Caixa parece ser geralmente aberta por... mulheres. Pelas esposas, no caso, e não pelos maridos. São elas, as mulheres, que, num impulso e, talvez, na curiosidade, abrem a Caixa - tal como a Pandora mítica, que abriu a caixa proibida imprudentemente, mesmo tendo sido alertada, espalhando os males pelo mundo ali guardados, resultado de sua inconsequência.


Nesse contexto, "o inferno de Sartre" (onde os outros é que são o inferno) é associado não só à repercussão das más escolhas de terceiros em nossa vida (ex. do filme: uma pessoa morre se outra aperta o botão vermelho) como àquilo a que Sartre talvez estivesse se referindo quando afirma que "o inferno são os outros": à falta de amor, enfim, que leva o outro - e nós também somos o inferno dos outros, porque também somos o outro - a querer algo do outro, em busca de sua própria realização. Não à toa, essa foi a frase abre-alas do filme, cuja mensagem principal, a meu ver, nos chama atenção para a necessidade de uma "consciência de grupo" (novamente a frase dita por Mr. Steward sobre aprender "a sacrificar desejos pessoais para o bem maior de sua raça").

Pergunta Tostines: Os acontecimentos sobrenaturais teriam algum simbolismo ou seriam eles fenômenos conjecturados por teorias da Física Quântica? Seja como for, eles sempre possuem significados, sobretudo em se tratando de um filme de Richard Kelly. Mas isso seria coisa para outro dia.




Um comentário:

  1. Que analise! Suscintamente voce abordou tantas questoes imbricadas que... sendo honesto, ainda estou em processo de digestão. Muito bom! :)) Depois dessa, fiquei tentado a reassistir o filme pra fazer o processo de ruminaçao em conjunto. ;)

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