15 de agosto de 2012

Brasil, um país de todos...


... que dizem "amém"


Tudo começou quando a cantora Marisa Monte fez sua aparição "vestida" de Iemanjá, na apresentação brasileira de oito minutos do show de encerramento dos Jogos Olímpicos de Londres, no domingo (12 de agosto).


 

Não demorou, como não não poderia deixar de ser, para que a massa protestante,  auto-intitulada "cristã/evangélica", rasgasse as vestes farisaicas em blogs e sites do gênero, como o 'Verdade Gospel', do pastor Silas Malafaia, criticando vorazmente, de acordo com a etiqueta padrão do meio, a inclusão de um "demônio" (leia-se "Orixá") pertencente a religiões "marginais" (leia-se "religiões de matriz africana, como Candomblé e Umbanda) na prévia dos Jogos Olímpicos do Brasil, em 2016.

A crítica, rica em falácias como de costume, aponta três argumentos que, acreditam seus arautos, sintetizam a Verdade ("gospel") Absoluta:

Primeiro, o Brasil é um país cristão, logo Marisa Monte não deveria subir ao palco vestida de Iemanjá, mas de Moisés, Abraão, João Batista; ou "fazer o Malafaia e o Macedão", intimando os espectadores presentes a subir no "altar", para uma sessão de descarrego coletiva. Alguns ainda diriam que o papel de Maria Madalena, a eterna "mulher do mundo", cairia bem. 

Segundo, uma figura como Iemanjá não representa, em absolutamente nada, a cultura brasileira.

E terceiro, bueno, a soma dos dois argumentos falaciosos acima em "loop eterno": "Iemanjá é um demônio", "Candomblé e Umbanda são religiões do diabo", "o Brasil é um país cristão", "isso não tem nada a ver com a nossa cultura".

Não entrando no mérito do frontal desrespeito aos demais credos albergados, ressalte-se, pela Constituição Federal, que é o "livro sagrado do cidadão brasileiro", o que não é dito, mas fortemente combatido pelos que, fanaticamente, se contrapõem à liberdade religiosa, é que:

Não, Iemanjá não é um "demônio". Essa é uma definição estritamente pessoal (precipitada, no mínimo, e desrepeitosa, só para começar o máximo) de uma mentalidade calcada em toneladas de fundamentalismo religioso. O justo, em todos os casos, seria respeitar a definição ORIGINAL utilizada pela religião a qual determinada entidade pertence. Portanto, se religiões de matriz africana definem Iemanjá como Orixá, assim ela deve ser nomeada e tratada, independentemente do credo.

Não, Candomblé e Umbanda não são religiões do diabo. O "diabo", como portador do mal absoluto, é uma entidade inerente às égregoras católica e protestante, devendo, portanto, ser abordado em seu próprio contexto, nunca tomado por padrão quando de outras religiões se tratar.

E não, não somos um país cristão. Assim como não somos um país exclusivamente de brancos, um país exclusivamente de ricos, um país exclusivamente de heterossexuais. Somos um país multidiversificado. Nesse caso, multi-religiso. Não importa se o último Censo do IBGE apontou os católicos como maioria religiosa do país, seguidos dos protestantes. Não importa se as demais correntes se espremem entre os 15% ou 10% restantes, nas estatísticas. O que importa é que sim, SOMOS UM PAÍS DE TODAS AS RELIGIÕES. Há espaço para todos os credos, doutrinas e filosofias. Religiões minoritárias têm o direito de expressar-se, pacificamente, tanto quanto as majoritárias.

Mas nem esse é o caso, posto que o show em questão não estava "falando" de religiosidade. Não havia ali intenção alguma de "promover" uma religião de matriz africana ou um conjunto delas. Era de arte que se falava, de cultura brasileira, da qual a figura de Iemanjá, e o que ela simboliza, TAMBÉM é parte. Parte das tradições culturais de um país, frise-se, que, historicamente, tem mais relação com as práticas culturais trazidas pelos africanos, não esquecendo dos índios que cá estavam, do que com as práticas culturais judaicas, de onde as religiões cristãs, antigas e modernas, "importaram" o credo.

Não custa lembrar aqui, embora seja sobejamente exaustivo fazê-lo, que a mesma liberdade de expressão ideológica, política e econômica que se reivindica para sua religião ou prática cultural VALE, NA MESMA MEDIDA, PARA TODAS AS OUTRAS. 

Respeito ao diferente é bom, todos merecem. Mas para aprender a respeitar é necessário, primeiro, CONHECER-SE e ao outro como a si mesmo. Se nem isso é possível, o silêncio de quem sabe tolerar o desconhecido é a melhor atitude. 


Fontes:

2 comentários:

  1. Excelente texto, Innezita!
    "As always".

    O problema de fato é essa mania de achar "o meu é melhor que o seu, o meu é certo e o seu, errado".

    Somos um país de vários credos, de várias cores, várias raças, várias origens.

    Mas, infelizmente, parece que essas "vertentes crentes" que andam dominando sobretudo a tv, anda querendo pregar que só há um caminho. Coitados! Me lembra a velha história do sapo dentro do poço, que não faz idéia do que há fora dele...

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  2. Como você disse, o problema é a mania do brasileiro - falo de meu povo, porque sou povo junto - de ver e taxar sumariamente o diferente como algo errado, pecaminoso, deturpado e subversivo, UNICAMENTE por não se enquadrar no mesmo "layout ideológico" de uma maioria ou dos que posam de maiorais.

    Dessa famigerada "cultura de grupo" nós, em nossa época de fandom, também experimentamos a exaustão - você, Deaba,eu e outros "velhos" somos o registro vivo do quão brutalmente injusto pode ser o bicho homem em nome do que considera CERTO e UNICAMENTE SEU. Mas, vá lá, era apenas um fandom. Embora fosse uma reprodução virtual do que ocorre no plano das realizações factíveis, o inferno mesmo é do lado de cá. Os grupos socialmente e culturalmente vulneráveis - dos quais as religiões de matriz africada são parte e todo o restante que "se espreme entre os 15% a 10% de estatística - têm muito a declarar.

    E no que depender do sapo... bueno, continuará coaxando.

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