25 de agosto de 2012

Quantas falácias para o fim da piada?






Erística! Você sabe o que é? Uma vez não sabendo, se interessou em pesquisar a respeito? O que se entende por Erística, também chamada de “arte da controvérsia”? E o que, raios, isso tem a ver com Redes Sociais?

Trocando em miúdos, Erística é um termo que, em Filosofia, tem como referência a escola de Mégara, caracterizada pela prática da RETÓRICA VAZIA, que tinha por objetivo VENCER UMA DISPUTA A QUALQUER CUSTO, AINDA QUE SEM RAZÃO. Erística é, então, a arte de vencer o adversário em um debate, NÃO IMPORTANDO SE A CAUSA É JUSTA OU NÃO, uma vez que aos olhos do erístico é inaceitável “perder” para o oponente ou ser superado por este. Platão, inclusive, escreveu proficuamente sobre o tema em ‘Eutidemo’, e Schopenhauer fez o mesmo, discorrendo sobre como não se proceder ‘eristicamente’ nas discussões, e, sobretudo, como defender-se de argumentos erísticos utilizados.

O que nos leva a Aristóteles e suas considerações sobre as duas ciências que lidam com a “arte da discussão” e as duas caricaturas destas mesmas ciências. As ciências são: a Dialética (que tem por finalidade alcançar a verdade através da investigação, abstração e análise), e a Retórica (que é a “a arte da persuasão”, entendida por Aristóteles como uma “outra face da dialética”). E suas caricaturas são: A Sofística empregada em retórica (esquemas de argumentações falaciosas) e a Erística (já definida acima).

Ao contrário do erístico, que tem no fim (vencer a todo custo) a determinação dos meios (por mais obsoletos e insustentáveis que sejam), o filósofo que se vale da ‘retórica aristotélica’ se interessa pelo teor dos argumentos, pela essência do pensamento, não centrando a sua atenção na pessoa do oponente mas concentrando-se na IDÉIA. O filósofo que utiliza a ‘retórica aristotélica’ busca trabalhar em seus discursos com a verossimelhança dos argumentos, não com falácias.

Já o ‘debate dialético’ (praticamente irrealizável nos dias de hoje, em que ainda pesa a visão "monolética"), longe de querer convencer, trabalha com o diálogo na sua forma mais conceitual, onde idéias são discutidas de forma impessoal e profundamente, e onde os debatedores, além de ser pessoas bem informadas sobre os temas tratados, estão envolvidos e comprometidos exclusivamente com o desejo de encontrar a “verdade real” (ou IDÉIA-COERÊNCIA), não importando quem “ganha” ou quem “perde” o debate.

Temos, daí, quatro “técnicas de discussão” (tal como lembro, e que me perdoem os estudiosos da História da Filosofia):

(1) a Sofística – debate que se utiliza de raciocínios APARENTEMENTE válidos, porém inconclusivos, ou de conclusões absurdas porque de contrárias à lógica e às leis;


(2) a Erística - o debate belicoso e por vezes falacioso, onde o fim justifica os meios, e onde a presença do público é indispensável, já que é ele o principal alvo da “persuasão” (ou ataque);


(3) a Retórica - “a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão" (Aristóteles); e,

(4) a Dialética - que assume um significado diferente de acordo com a doutrina filosófica (platônica, aristotélica, kantiana, hegeliana, marxista, etc.), mas que, no geral, pode ser entendida como um método que busca a confrontação de elementos conflitantes para descobrir premissas e princípios comuns e explicar uma nova situação decorrente desse conflito (tese, antítese e síntese), de modo a se chegar a uma idéia mais racional possível. Friedrich Engels, no encalço de Marx, dizia que "para a dialética não há nada de definitivo, de absoluto, de sagrado; apresenta a caducidade de todas as coisas e em todas as coisas e, para ela, nada existe além do processo ininterrupto do devir e do transitório". De forma que, "quem diz dialética, não diz só movimento, mas, também, autodinamismo." (In: Politzer).




A “metodologia” do debate falacioso é não querer ver, não querer ouvir, desconhecer como válida a lógica do outro, e chegar a mesma conclusão de que o discurso alheio nada mais é que um monte de lixo.


Aplicando estas assertivas nas comunidades que habitam as Redes Sociais, seríamos bastante irrealistas se disséssemos que em 1% dos debates realizados sobre o universo temático são empregados a “retórica” e algo de “dialética” (a Trialética e Tetralética a essa altura bebem chá de Alice com ocultistas-holistícos, místicos-transcedentais e  cientistas-filosofais, à direita de Cheshire, que de tudo sorri, enigmático). A dura realidade virtual de cada dia está aí para fazer presumir que em 99,9999999999% dos debates (ou melhor dizendo, embates) travados, o que se vê é um desfile escatológico de argumentos falaciosos e de erística pura, onde vale de tudo, ‘salve-se quem puder’ e que vençam os “maiorais” (que acreditam no erro crasso de que ser “maioral” é sinônimo de ser “melhor” e “superior”). Isso sem tocarmos no tema “terrorismo e ofensas pessoais” recorrente em comunidades, ou mesmo em páginas pessoais, e comentários construídos para hostilizar aqueles que se “atrevem” a analisar ou discordar de idéias opostas.

Estamos, pois, equivocados  se pensamos que o que valem são os argumentos ideologicamente embasados, cientificamente fundamentados, criteriosamente justificados. O que prevalece como sendo RELEVANTE pelas bandas sócio-virtuais é a opinião-pela-opinião, os "toma-lá-dá-cá" eivados de "Argumentums ad hominem", "Tuo quoques", "Bifurcações" e "Espantalhos" montando guarda em hortas de abóboras!

E como tudo o que se passa no plano virtual é mera reprodução bidimensional do que se passa no plano existencial, na 'vida-como-ela-é' (e não como 'parece ser') também estão equivocados todos os que pensam, a exemplo dos grandes mestres do pensamento humano, que argumentos analíticos e críticos embasados no raciocínio-lógico-hipotético de fatos e idéias difusas, ou amparados pelas idéias universais consolidadas em leis e teorias científicas, possuem alguma validade.

Tanto cá, no virtual, como lá, no real, são os achismos inócuos sustentados por falácias e contradições contradizentes que determinam a validade das idéias. Há muito a essência da idéia do 'diálogo' tal como era pensado pelos antigos filósofos gregos e orientais foi eclipsada pelos embates falaciosos. Hoje, a análise e discussão salutar de idéias e fatos cedeu lugar (ou perdeu lugar) aos "argumentos logicamente inconsistentes e conclusões sofismáticas, destinados à persuasão". E como a mentalidade de grande parte do público é atarracada, esses mesmos argumentos e conclusões falaciosos podem parecer convincentes, e com muita frequência convencerem.

Sim, temos à mão muitos exemplos ilustrativos nas Redes. Exemplos ilustrativos tais como a adoração cega e irascível que legiões dispensam a determinadas correntes de pensamento, e os falaciosos argumentos que usam para servir de base às suas convicções, ou melhor dizendo, à sua crendice cega em relação a determinada ideologia.

Temos falácias para todos os gostos e tamanhos. Falácias que afirmam que algo é verdadeiro ou bom apenas por ser antigo ou “sempre ter sido assim"; falácias que atacam a pessoa e não o enunciado; falácias que utilizam de privilégio, poder ou ameaça para impor determinada idéia conclusiva; falácias que atribuem falsas idéias ao oponente; falácias que limitam alternativas onde há um universo delas; falácias que são usadas para reverter uma situação desfavorável, introduzindo assuntos irrelevantes no assunto discutido para se desviar a atenção deste e chegar a uma conclusão diferente e favorável ao falacioso. Falácias algumas das quais eivadas de preconceitos e préconceitos em relação ao oponente, suas escolhas pessoais, identidade, afinidades, perspectivas, idéias.

"Outro dia encontrei Dialética, Trialética, Tetralética e Pentalética brincando de ciranda em torno da Transversalidade Holística."

São falácias verbais, falácias comportamentais, falácias de pensamento. Chegamos ao ponto de não discutirmos idéias, mas nos demorarmos em falácias. No Reino da Falácia, a filosofia de vida/ideologia/doutrina/credo de cada um é "a melhor do mundo" e seus princípios "estão no ápice do cúmice dos píncaros do que é certo, bom e justo para todos". No Império da Falácia, a forma como as ideologias conectam com o mundo, os fatos segundo elas apresentados, são "irretocáveis", e se tantos aderiram a determinado pensamento é porque esse pensamento deu ao público o que o público queria e precisava; e ninguém (em sã consciência) deveria se manifestar desfavorável a estas falácias - sem sofrer as devidas consequências punitivas - porque elas são o "reflexo puro da verdade absoluta universal". Os que o fizerem são claramente tolos, "analfabetos" ou alienados - não necessariamente nesta ordem, mas sem excluir nenhum adjetivo.

Como diria Aldous Huxley se entre nós estivesse:

- Ah, escroto mundo malfadado! Carcomido pelas traças da falácia humana e por elas desviado!


Direto da Enfermaria:

“Não queremos ter vergonha de escrever e não sentimos a necessidade de falar para não dizer nada. De resto, ainda que o desejássemos, não o conseguiríamos: ninguém pode conseguir isso. Todos os escritos possuem um sentido, mesmo que esse sentido esteja muito afastado daquele que o autor tenha pensado dar-lhe. Para nós, com efeito, o escritor não é Vestal nem Ariel: está «metido no caso», faça o que fizer, marcado, comprometido, mesmo no seu mais profundo afastamento. Se, em certas épocas, utiliza a sua arte para forjar bugigangas de inanidade bem soante, até isso é significativo: é porque há uma crise das letras e, sem dúvida, da sociedade.“(Jean-Paul Sartre, em”'Situações II”)


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Nota: O presente texto é a versão "Redes Sociais" do texto "Discurso do Homem de Palha ou Com quantas falácias se faz uma Erística", originalmente voltado ao fandom potteriano e de autoria desta que vos compila, publicado na falecida, mas nem por isso menos ufanista, Revista Pumpkin Pie, n. 6 (e último... que descanse em paz, entre canteiros de abóboras selvagens).



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