16 de fevereiro de 2013

O universo numa cabeça de abóbora



“Durante dos mil anos a humanidade acreditou que o Sol e todos os astros do céu davam voltas a seu redor. O Papa, os cardeais, os príncipes, os eruditos, os capitães, comerciantes, pescadores e estudantes acreditaram estar sentados imóveis na esfera de cristal. Mas agora nós saímos disso, Andrea. O velho tempo passou e estamos em uma nova época. É como se a humanidade esperasse algo desde há um século. As cidades são estreitas e assim são as cabeças (...) Tudo se move, meu amigo. Me alegra pensar que a dúvida começou com os navios. (...) Desde então sobreviveu o grande desejo: investigar a causa de todas as coisas (...) Cada dia se descobre algo. (...) Muito trabalho aguarda nossa nova geração. (...) O tempo velho passou, estamos ante uma nova época. O mundo inteiro diz: sim, isso está nos livros, mas deixe-nos agora olhar para nós mesmos. (...) A Terra gira alegremente ao redor do Sol e os pescadores, os comerciantes, os príncipes e os cardeais e até mesmo o Papa giram com ela. (...)” - Excertos da peça teatral de Bertolt Brecht, “Galileo Galilei”, escrita entre 1938-1939, na Dimarca, durante seu exílio.

Mudanças, descobertas, incursões rumo ao ‘novo’, o mérito da dúvida, o crescimento íntimo, a misteriosa Roda da Fortuna girando ao compasso dos astros. Na época em que Brecht escreveu a peça, os jornais publicavam a notícia da desintegração do átomo de urânio pelos físicos alemães. Décadas antes, Einstein publicava a Teoria da Relatividade. Décadas depois, em nossa época presente, os físicos buscam aquilo que Stephen Hawking chama de “Graal” do pensamento científico: a “Teoria de Tudo”.

"Um novo racionalismo, o que poderia induzir a uma nova perspectiva metafísica: Somos testemunhas de mudanças profundas no mundo, fantásticas descobertas científicas contrastando com a violência e a pobreza, viagens ao espaço e a busca por vida alienígena, mas por outro lado a destruição ambiental. Como nos inserimos neste mundo em desencanto onde os referencias mudam em velocidade assombrosa? Encarar o mundo como um organismo vivo, reciclar os nossos valores, e ter uma atitude mais consciente são fatores de mudança, não esperar um mundo melhor, mas fazê-lo melhor". - Declaração de Veneza / Itália (UNESCO- 1986)

Há mais ou menos 400 anos atrás, o homem contemplava o céu e acreditava que os “filhos de Adão” eram as únicas criaturas inteligentes existentes no universo, ou no que ele pensava ser o universo. O geocentrismo ainda estava em voga, embora em franca decadência, e os valores e atitudes ocidentais giravam em torno da idéia de um deus antropomorfo, que teria criado o homem para exercer uma relativamente curta marcha existencial em um planeta centralista, rijo em sua órbita no “umbigo” de tudo (até então imaginado pela mentalidade do homem teocentrista). 

Passados poucos séculos, e o homem orbita hoje em um meio de “holopensene” quântica, onde a metafísica do ocidente e a física transcendental do oriente, antes heterogêneas aos olhos da ciência, não se parecem mais óleo e água quando olhadas de perto. Transformações céleras no consciente coletivo impulsionaram intelectualmente boa parte da humanidade para um espaço-tempo dinâmico, onde a realidade dividiu-se em várias outras a olhos nus. A Terra gira, dizia Galileu, e com ela nos movemos em torno de nós mesmos e das coisas do mundo das coisas. E mesmo as partículas atômicas, antes “sólidas” e indivisíveis, desvelaram-se num mudar de lentes nanoscópicas, revelando-se tão flexíveis como ondas e ainda assim tão rígidas em si mesmas.

Do projeto Manhattan ao projeto Apollo, e deste ao Genoma, hoje vivemos a Era do Quanta, onde as realidades se alinham e a aparência do oculto não é mais como era antes. E tudo transformar-se, e nada se perde - por mais perdido que se sinta o homem em meio à tantas descobertas e alterações de “foco”.

Transformar-se. Transmutar-se. “Transfazer-se”. “Reciclar valores e ter uma atitude consciente são fatores de mudança” para fazer do mundo um algo melhor a partir do melhor transformado no homem. Esse talvez seja o maior desafio “metafísico” de todos: melhorar o homem e assim melhorar o mundo. Nestes termos, talvez o cunho destas palavras faça sentido:

Ser verdadeiro é ser autêntico;
é nunca precisar mentir para manter uma aparência;
é ter a coragem de dizer as suas próprias verdades,
ainda que com elas possa vir a provocar dissidências;
ainda que por elas venha a se defrontar com rejeições.
Ser verdadeiro é ser fiel àquilo em que se acredita
é viver em coerência com suas próprias crenças.
Ser verdadeiro é ousar viver em acordo com suas convicções.
Ser verdadeiro é ter a coragem de demonstrar aquilo que se sente e não temer mostrar a própria vulnerabilidade.
Ser verdadeiro é correr o risco de ficar só e mesmo assim continuar.
Ser verdadeiro, enfim, é viver em paz consigo mesmo.
(Autoria desconhecida)

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Do arquivo morto da sempre viva Pumpkin Pie Magazine (ed. 5 e 6), o quarto Projeto Internacional - que, como o quarto Rei Mago, saiu da história para tornar-se lenda.



Blues, etílico e restos humanos

15 de fevereiro de 2013

Papa Léguas


- Você leu?

- Li...? 

-  A abdicação do Papa Bento XVI revela uma complexa trama de intrigas e corrupção entre os grupos eclesiastas do Vaticano...

- ... e que isso teria levado Bentinho a "pedir água", "entregar os pontos", "erguer a bandeira branca", "sair pela tangente". Sei.

- Ah, você leu...

- Nos autos da História, sim. Mas nada que você também não possa acompanhar, com riqueza de detalhes, em "Os Borgias". Tá tudo lá.

- Não, pera. "Os Borgias" retrata as origens do que viria a ser a máfia na Itália, a partir de Rodrigo Bórgia, tornado Papa com o nome de Carlos VI e... Ah!

- Entendeu, né?

- Esquemas. 

- Seriam ninjas se seus movimentos já não fossem esperados.


11 de fevereiro de 2013

Pan Galactic Gargle Blaster cocktail!







- Tenho forte inclinação ao anarquismo, mas me identifico com o pensamento "esquerdista". 

- Oh, sim? Aceita uma xícara de chá betavegano?

- E por que não? Digo... (aceito) se dentro desse sistema "esgotesco" em que vivemos, ele ainda é um "sopro" benfazejo aos ideais de "liberdade, igualdade e fraternidade"? 

- A meu ver, o problema não é a filosofia-ideologia-doutrina, sempre foi e continua sendo as pessoas. O problema também não se limita a um partido político, ele é macro e micro econômico. Economia-política revela muito mais sobre o mundo e, especificamente, a história de um país do que a ideologia partidária ou pessoas partidárias. 

- De fato, por bem intencionada que seja um político (milagre dos milagres), chegando ao Poder não lhe restaria muitas opções. Lá não é lugar para revoluções, mas aqui, na infraestrutura. Em um governo, no máximo, o que se faz são reformas. Reformas que nada mais são que "re-organizações" necessárias do próprio sistema político (capitalista). Simples (e complexo) assim. Eis daí o porquê do chamado "voto consciente". Voto esse que é apenas o início de uma longa jornada, onde o povo é partícipe ATIVO das propostas governamentais e fiscal de suas ações públicas. Nem preciso dizer que isso NUNCA acontece aqui.

- Justamente por isso que não me fixo em siglas partidárias. Porque acho que um planeta não se faz com partido, mas com pessoas. Não parece ser assim? O problema é a preguiça: desde que os outros façam a minha parte, tudo bem. E fica por isso. Até Jarvis C tentou aquele barato de 'todos somos um' e o que fizeram com ele? Confinaram o coitado em Vitvodle VI. Vitvodle!

- O que me lembra... aquela vez em que JC mete o sandalhão nas bancas de venda dos mercenas, chamando todo mundo de "Bando de víboras e hipócritas!" Hahaha, HIPÓCRITAS! Porque é isso o que somos, não? Uns menos, outros terrivelmente mais. Sejamos francos: passados milênios, continuamos no mesmo fosso. 

- Na verdade, olhando ao redor, estamos indo é mais fundo nele. E, como porcos na lama fazem na Terra, nos esbaldamos nela, chafurdamos nela.

- Os "inovadores" de hoje, então, deveriam se matar. Assim cortam o mal da sua infeliz ignorância pela raiz, desde já. Digo, é o fim. Nossos "inovadores" que nascem, que existem para abalar as velhas estruturas,  querendo mudanças para melhor, estão optando pelas coisas velhas ineficazes, usando como justificativa a falácia de uma crença baseada em um profundo desconhecimento da história de mundo. Se querem fazer diferente, por que, diabos, optar pelo ultrapassado? Querem fazer diferente? Ótimo! Vão às ruas, cobrar de quem foi eleito. Peticionem, assinem petições, encaminhem projetos de lei. Nós podemos. Não querem determinado representante? Votem em outro, em branco, em nulo, em seus próprios umbigos! Mas nunca, nunca em representantes de velhos sistemas politiqueiros, alegando que eles são a melhor resposta.

- Sabe, não merecemos Fália. Somos o que? Quase 200 milhões de pessoas? Desse número, pouco mais de 1% merece estar aqui. Estou sendo otimista, como pode ver. Somos, talvez, o maior exemplo de povo que tem tudo, absolutamente tudo para dar certo, em todas as esferas - eu disse TODAS - e o que fazemos, afinal? Reclamamos, murmuramos, nos ausentamos, culpamos os outros ao invés de assumirmos, nós mesmos, a nossa parte nos negócios, novamente reclamamos...

- Nisso somos realmente bons!

- ... cuspimos nas conquistas históricas e optamos livremente pela involução, quando a própria história nos empurra para frente! Somos pior que vogons pessimistas! Mas eles, ao menos, são "bosses". E nós, o que somos?

- É incrível como o resto do mundo enxerga um presente menos medíocre que o passado e um futuro promissor para nós, mas nós, não! Tudo o que a maioria de nós faz é projetar velhos costumes retrógrados, que apenas revelam a imaturidade mental que possuímos. Afinal, reclamar de tudo e culpar o governo X ou Y é atitude típica de irresponsáveis-covardes-acomodados, que em vez disso deveriam se debruçar sobre os problemas e transformá-los em questões a ser resolvidas. Todo país rico começou na pobreza. Foi a atitude de seu povo diante dos problemas e do mundo por fazer que alavancou a sua história.

- É, somos víboras num mesmo ninho... 

- Hipócritas no mesmo circo. 

- De todo modo, eu já importei minhas havaianas de pau.

- Dos males, aquele que mais benefícios traga. 

- Não custa nada tentar. Já dizia um Sábio Configurador "Nem todos que tentam conseguem, mas todos que conseguiram tentaram".

- Que sábio?

- O mesmo que inscreveu isso num pára-choque de um certo táxi sideral que peguei rumo ao setor 42.

- Depois de Magrathea...?

- Sim, bem pra lá. 

- O que espera encontrar no 42? O caminho do sábio? Da mansidão, da paz interior, da...?

- O gato. 

- Um gato?

- Não um, "o". 

- Oh... Oh! "O" gato!  

- O próprio.

- Desce um Dinamite Pangaláctica?

- Demorou. 




Life, Sartre and Cigarettes



Me recuso a ver o Existencialismo como apenas mais um modismo ou uma curiosidade histórica, porque ele tem algo importante a oferecer no novo século. Acho que estamos perdendo as virtudes de vivermos apaixonadamente, de assumirmos a responsabilidade por quem somos, de tentarmos realizar algo e nos sentirmos bem em relação à vida. 

O Existencialismo é, às vezes, visto como uma filosofia do desespero, mas eu penso que ele é o contrário. Sartre disse, certa vez, que nunca teve um dia de desespero em sua vida. O que esses pensadores nos ensinam não é tanto uma sensação de angústia, mas sim uma exuberância de sensações. Como se sua vida fosse a sua obra a ser criada. 

Eu li os pós-modernos com interesse, com admiração até. Mas sempre tenho uma péssima e incômoda sensação... de que algo essencial está sendo deixado de fora. Quanto mais se fala sobre o ser humano como um construto social ou uma confluência de forças... ou como fragmentado, ou marginalizado, abre-se todo um novo universo de desculpas. Quando Sartre fala de responsabilidade, não é abstrato. Não se trata do tipo de eu ou de alma de que falam os teólogos. É algo concreto. Somos nós, falando, tomando decisões e assumindo as conseqüências. 

Há seis bilhões de pessoas no mundo, é verdade. No entanto, suas ações fazem diferença. Fazem diferença em termos materiais e fazem diferença para outras pessoas. Servem de exemplo. A mensagem é: não devemos jamais nos eximir e nos vermos como vítimas de várias forças. Quem nós somos é sempre uma decisão nossa. A criação vem da imperfeição. Parece ter vindo de um anseio e de uma frustração. É daí, eu acho, que veio a linguagem. Quero dizer, veio do nosso desejo de transcender o nosso isolamento e de estabelecer ligações uns com os outros.

Devia ser fácil quando era só uma questão de mera sobrevivência. "Água" . Criamos um som para isso. "Tigre atrás de você!" Criamos um som para isso. Mas fica realmente interessante, eu acho, quando usamos esse mesmo sistema de símbolos para comunicar tudo de abstrato e intangível que vivenciamos.

O que é "frustração"? Ou o que é "raiva" ou "amor"? Quando eu digo "amor", o som sai da minha boca e atinge o ouvido de outra pessoa viaja através de um canal labiríntico em seu cérebro através das memórias de amor ou de falta de amor. O outro diz que compreende, mas como sei disso? As palavras são inertes. São apenas símbolos. Estão mortas, sabe? E tanto da nossa experiência é intangível. Tanto do que percebemos é inexprimível. É indizível. E, ainda assim, quando nos comunicamos uns com os outros e sentimos ter feito uma ligação, e termos sido compreendidos acho que temos uma sensação quase como uma comunhão espiritual.

Essa sensação pode ser transitória, mas é para isso que vivemos.
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Ao mochileiro de primeira decolagem, o que acabou de ler nada mais é que a compilação de alguns dos ótimos trechos do excelente filme "Waking Life", de 2001, do sempre dialoguista Richard Linklate.










10 de fevereiro de 2013

Eu, tu, eles... nós?




Quevedista: Non ecziste problema en las personas alrededor. Usted es el problema.

Tradicionalista: - O que houve com "o inferno são os outros"? Gostava mais assim. 

Alienista: - Mas se as pessoas ao redor também enxergam problemas nos outros, elas também são um problema em si mesmas.

Hipster: - Existência é muito mainstream.

Totalitarista: - O que é 'problema'?
 
Umbiguista: - O que são 'pessoas ao redor'?
 
Muvucador: - Well! Se o problema sou eu, posso jogar o 'problema' em cima de quem eu quiser