21 de agosto de 2012

Fala, Galileu!








De: Casa de Fräulein Joana
Para: Hotel Casa Grande (Tio Smith)

C/C: Tio Zara e Zarita


Caro,

Agradeço por ter buscado elucidar certos pontos de estrangulamento acerca da questão gerada com a possibilidade de redução da reserva legal amazônica em 50%, inclusive para novos desmatamentos, mas opto por continuar com a minha desconfiança aguçada a tudo o que vem de cima, do topo da pirâmide hierárquica do Poder, de toda e qualquer velha idéia desbotada dos detentores dos meios de controle ideológico, dos senhores da superestrutura social, com a minha velha mentalidade boba alimentada de velhos ideais nascidos de uma ultrapassada filosofia do bem comum, onde a capacidade de discernirmento é a chave de acesso à uma visão justa da vida, onde "dá-se a César o que é de César", onde o trigo é devidamente separado do joio. 

A despeito das recém formadas convicções prefiro continuar sendo a velha cobra cautelosa esperando a comitiva passar, para não ser pisoteada, pois até que o ser humano desperte da sua ilusão em preto e branco, até que saia do engano em que submergira desde que dera o primeiro passo para a formação de seu processo evolutivo, continuará, como assim o vem fazendo, a lutar pelo que julga ser poder. E prefiro permanecer adotando a velha e talvez boba postura de um anão sobre os ombros do gigante, ou de um alpinista subindo ao topo da mais alta montanha ou, ainda, de um daqueles surfistas tresloucados sendo erguido por ondas, diria, sinuosas (do conhecimento), a fenecer olhando o mundo do fundo de um buraco cravado na terra.

O Brasil é um grande latifúndio, sua primeria e única reforma agrária ocorreu a quase 500 anos atrás, quando nosso território foi dividido pela então Coroa Portuguesa em 14 grandes faixa de terra, chamadas Capitanias Hereditárias. Até hoje os senhores de engenho que o tempo não venceu são contados nos dedos das mãos, um punhado de indivíduos e empresas (umas 10 no total) possuidores de verdadeiras mega cidades, mantendo polícias particulares, formadas por capangas e, o que não é novidade, por milicos (aliás, a polícia militar é a filha de ouro das velhas milícias coloniais). Pensemos então no território brasileiro tal como ele é, uma imensa extensão de terra, em torno de 850 milhões de hectares de superfície. Enquanto que na maioria dos países do mundo a área aproveitável para agricultura, por exemplo, não chega a meros 30%, o Brasil é detentor de uma considerável área agricutável de mais de 70% e, no entanto, desta porcentagem somente 60 milhões de hectares são aproveitados para produzir alimentos. É de assustar que na China com apenas 16 a 20% de áreas destinadas ao plantio, o governo consiga alimentar todo o seu bilhão de habitantes. Num país onde mais de 40 milhões de hectares são improdutivos, onde as empresas multinacionais ou transnacionais são proprietárias de mais de 40 milhões de hectares, onde os grandes latifúndios somam sozinhos mais de 30 milhões de hectares, onde de cada 100 brasileiros, mais de 70 vive na cidade por pura falta de condições de subsistência na zona rural; um país onde não há uma Política Agrária por interesse único dos econômica e politicamente dominantes, onde a função social da terra é vergonhoso fetiche manuseado segundo a ideologia da livre iniciativa, do império da propriedade privada sobre o regime de cooperação mútua da terra; onde o número de Medidas Provisórias exorbita o o estritamente necessário, na sua grande maioria destroçando os princípios constitucionais dos quais o maior é, indubitavelmente, o Princípio da Dignidade Humana; num país cuja Soberania Nacional é letra morta; de cuja maioria dos governantes, ditos representantes do povo (e o povo fede, como disse Figueiredo) espera-se tão somente, no final de cada dia, a aprovação de leis que não são para o povo, mas para os governos dos países "elitistas"; governo entreguista de capitalismo selvagem de periferia. Somos economicamente desenvolvidos, mas não olhamos para o nosso próprio umbigo. Adota-se, então, a política global, onde tudo é comercial, onde o bem é amigo do mal, onde o Brasil aderiu de vez ao sexo anal e adora levar pau.

Eu não confio no que "vem de cima", do topo da hierarquia do poder político-econômico. Não confio e nunca confiei no governo dos homens, dificilmente o farei. Deposito esperança nas intenções mais nobres e no fato de que o ser humano é passível de evolução, porém dou-me o direito de não me deixar vendar os olhos pelas propostas de caráter tendencioso-nepostista das mentes que abrilhantam o Planalto Central, arraigado a interesses desumanos, de exploração do homem pelo homem, que não incluem na lista de alforria os excluídos, marginalizados, pretos, pobres e putas. Não confio na política de governantes, de parlamentares, interlocutores do Poder Público, que vendem as jazidas de riqueza natural de nosso país para os governos de outros países do mundo; que privatizam as suas empresas estatais à empresas estatais de outros países do mundo; que cedem o direito de explorar atividades econômicas primordialmente criadas para exploração de empresas nacionais, estatais, de direito público, e lucrar sobre nossos monopólios tais como o petróleo. Não confio na política predominante de nosso país que não dá a conhecer ao seu povo o quão imensuravelmente rico ele é, e quão frondosa é a riqueza natural do solo em que pisa.

Em ocasiões, e não são poucas, o Brasil se parece a uma puta no cio, de pernas escancaradas, servindo um após outro, outros tantos filhos da puta que esperam. Uma puta bonita, bela demais, mas de cara suja, que não aprendeu a contar porque não foi à escola, então quantos já a possuíram? Quanto recebeu de cada um? porque quando nasceu para o mundo não conheceu seus pais, porque desde cedo fora instruída a não falar, a apenas dar, dar e dar. Triste...Nossa pátria é, na verdade, uma menina de olhos verdes tão bonita...mas uma criança prostituída que já deu cria.

Na minha velha e tola concepção filosófica, não é justo defender a aprovação de ordenamentos legais que não têm utilidade prática para o povo, verdadeiro interessado. Tome como exemplo o Novo Código Florestal, do qual falávamos: se os pequenos produtores fossem do interesse de nossos representantes governamentais, há muito teriam sido beneficiados com uma verdadeira política latifundiária, projetada especialmente para eles, considerando suas condições reais de produção, o impacto ambiental do sistema empregado, a questão tributária, o incentivo fiscal para cada uma das regiões brasileiras segundo sua realidade, o trabalhador rural (as pequenas propriedades ainda ocupam uma pequna área produtiva do Brasil e ainda assim, oferecem maior número de empregos do que as grandes propriedades latifundiárias), o uso moderado de tecnologia apropriada para cada cultura, sistema de produção, prática de cultivo empregada ou de criação, estimular a policultura, punir as propriedades ociosas que hoje devem estar em torno de que?, mais de 40 milhões de hectares em todo o país?, fazer com que se facilite o escoamento da produção e investir no mercado interno, não desprezando, é claro, os excedentes destinados à exportação, garantindo aos pequenos e médios produtores preços mínimos, subsidiando unidades de beneficiamento, armazenamento e também de transformação dos gêneros produzidos pelas pequenas e médias propriedades rurais. Mas nada disso foi é e feito. Ou será que estive hibernando por muito tempo na minha fria e escura caverna, a ponto de ter perdido muito do espetáculo?
 
Num país onde praticamente nada é levado a sério - suas leis, sua aplicação, execução, impacto, consequências, alcance - de priapismo político dominante, de medidas inconsequentes, irresponsáveis e altamente danosas, cuja lesão é, por muitas vezes, irreversível, é preciso exercer o Poder de Polícia, que tem no seu povo a expressão maior. Infelizmente ou, na melhor das hipóteses, felizmente - errando e aprendendo - vivemos num país onde o povo luta e deve lutar contra a política entreguista, favoretista, antipatriótica e dominadora, de seus próprios representantes e dos que, não sendo povo pobre e oprimido, falam através deles. 

Possuímos uma Constituição Federal que expõe com preciosismo os direitos, deveres e obrigações de cada pessoa e de todas as pessoas juntas; cujo bojo principiológico é rico em humanismo, daquele velho e tolo sonho de liberdade, igualdade e fraternidade que é inato em cada um de nós. Uma resposta precisa ensejaria uma grandiloquente discussão histórica-crítica sobre a políca e economia nacional e mundial. E cá entre nós, não estou querendo convencê-lo a juntar-se a mim em mais uma aventura pela Terra da Dialética Material. Mesmo porque, hoje, o lance é Trialética, Tetralética, Pentalética...

Mas note que até aqui eu não mencionei a importância da riqueza de espécies da fauna e da flora que existe no território nacional. Num mundo onde mais de 2 bilhões de pessoas padecem a falta de água potável, o Brasil, na Amazônia, detém nada mais nada menos que 1/6 de toda a água doce do planeta. Tudo isto e muito mais vem sendo itinerareamente arruinado. Estamos entregando de bandeja o que é nosso de direito e de fato, historicamente nosso, unicamente nosso, aos grupos nacionais de exploração econômica e aos governos transnacionais que não querem saber da maioria, que continuam seguindo a filosofia nômade e sedentária do homem do paleolítico inferior, de sugar e depois jogar fora o bagaço. São muitos fatores interligados. Uma vastissima teia de fusões políticas, originalmente econômicas, e sociais. Interesses, ideologias.

Após enxergar o que há por trás do baile de máscaras, diga-me: o que viu? 


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