De:
Casa de Fräulein Joana
Para:
Hotel Casa Grande (Tio Smith)
C/C:
Tio Zara e Zarita
Caro,
Agradeço
por ter buscado elucidar certos pontos de estrangulamento acerca da questão
gerada com a possibilidade de redução da reserva legal amazônica em 50%,
inclusive para novos desmatamentos, mas opto por continuar com a minha
desconfiança aguçada a tudo o que vem de cima, do topo da pirâmide hierárquica
do Poder, de toda e qualquer velha idéia desbotada dos detentores dos meios de
controle ideológico, dos senhores da superestrutura social, com a minha velha
mentalidade boba alimentada de velhos ideais nascidos de uma ultrapassada
filosofia do bem comum, onde a capacidade de discernirmento é a chave de acesso
à uma visão justa da vida, onde "dá-se a César o que é de César",
onde o trigo é devidamente separado do joio.
A
despeito das recém formadas convicções prefiro continuar sendo a velha cobra
cautelosa esperando a comitiva passar, para não ser pisoteada, pois até que o
ser humano desperte da sua ilusão em preto e branco, até que saia do engano em
que submergira desde que dera o primeiro passo para a formação de seu processo
evolutivo, continuará, como assim o vem fazendo, a lutar pelo que julga ser
poder. E prefiro permanecer adotando a velha e talvez boba postura de um anão
sobre os ombros do gigante, ou de um alpinista subindo ao topo da mais alta
montanha ou, ainda, de um daqueles surfistas tresloucados sendo erguido por
ondas, diria, sinuosas (do conhecimento), a fenecer olhando o mundo do fundo de
um buraco cravado na terra.
O
Brasil é um grande latifúndio, sua primeria e única reforma agrária ocorreu a
quase 500 anos atrás, quando nosso território foi dividido pela então Coroa
Portuguesa em 14 grandes faixa de terra, chamadas Capitanias Hereditárias. Até
hoje os senhores de engenho que o tempo não venceu são contados nos dedos das
mãos, um punhado de indivíduos e empresas (umas 10 no total) possuidores de
verdadeiras mega cidades, mantendo polícias particulares, formadas por capangas
e, o que não é novidade, por milicos (aliás, a polícia militar é a filha de
ouro das velhas milícias coloniais). Pensemos então no território brasileiro
tal como ele é, uma imensa extensão de terra, em torno de 850 milhões de
hectares de superfície. Enquanto que na maioria dos países do mundo a área
aproveitável para agricultura, por exemplo, não chega a meros 30%, o Brasil é
detentor de uma considerável área agricutável de mais de 70% e, no entanto,
desta porcentagem somente 60 milhões de hectares são aproveitados para produzir
alimentos. É de assustar que na China com apenas 16 a 20% de áreas destinadas
ao plantio, o governo consiga alimentar todo o seu bilhão de habitantes. Num
país onde mais de 40 milhões de hectares são improdutivos, onde as empresas
multinacionais ou transnacionais são proprietárias de mais de 40 milhões de
hectares, onde os grandes latifúndios somam sozinhos mais de 30 milhões de
hectares, onde de cada 100 brasileiros, mais de 70 vive na cidade por pura
falta de condições de subsistência na zona rural; um país onde não há uma
Política Agrária por interesse único dos econômica e politicamente dominantes,
onde a função social da terra é vergonhoso fetiche manuseado segundo a
ideologia da livre iniciativa, do império da propriedade privada sobre o regime
de cooperação mútua da terra; onde o número de Medidas Provisórias exorbita o o
estritamente necessário, na sua grande maioria destroçando os princípios
constitucionais dos quais o maior é, indubitavelmente, o Princípio da Dignidade
Humana; num país cuja Soberania Nacional é letra morta; de cuja maioria dos
governantes, ditos representantes do povo (e o povo fede, como disse
Figueiredo) espera-se tão somente, no final de cada dia, a aprovação de leis
que não são para o povo, mas para os governos dos países "elitistas";
governo entreguista de capitalismo selvagem de periferia. Somos economicamente
desenvolvidos, mas não olhamos para o nosso próprio umbigo. Adota-se, então, a
política global, onde tudo é comercial, onde o bem é amigo do mal, onde o
Brasil aderiu de vez ao sexo anal e adora levar pau.
Eu
não confio no que "vem de cima", do topo da hierarquia do poder
político-econômico. Não confio e nunca confiei no governo dos homens,
dificilmente o farei. Deposito esperança nas intenções mais nobres e no fato de
que o ser humano é passível de evolução, porém dou-me o direito de não me
deixar vendar os olhos pelas propostas de caráter tendencioso-nepostista das
mentes que abrilhantam o Planalto Central, arraigado a interesses desumanos, de
exploração do homem pelo homem, que não incluem na lista de alforria os
excluídos, marginalizados, pretos, pobres e putas. Não confio na política de
governantes, de parlamentares, interlocutores do Poder Público, que vendem as
jazidas de riqueza natural de nosso país para os governos de outros países do
mundo; que privatizam as suas empresas estatais à empresas estatais de outros
países do mundo; que cedem o direito de explorar atividades econômicas
primordialmente criadas para exploração de empresas nacionais, estatais, de
direito público, e lucrar sobre nossos monopólios tais como o petróleo. Não
confio na política predominante de nosso país que não dá a conhecer ao seu povo
o quão imensuravelmente rico ele é, e quão frondosa é a riqueza natural do solo
em que pisa.
Em
ocasiões, e não são poucas, o Brasil se parece a uma puta no cio, de pernas
escancaradas, servindo um após outro, outros tantos filhos da puta que esperam.
Uma puta bonita, bela demais, mas de cara suja, que não aprendeu a contar
porque não foi à escola, então quantos já a possuíram? Quanto recebeu de cada
um? porque quando nasceu para o mundo não conheceu seus pais, porque desde cedo
fora instruída a não falar, a apenas dar, dar e dar. Triste...Nossa pátria é,
na verdade, uma menina de olhos verdes tão bonita...mas uma criança prostituída
que já deu cria.
Na
minha velha e tola concepção filosófica, não é justo defender a aprovação de
ordenamentos legais que não têm utilidade prática para o povo, verdadeiro
interessado. Tome como exemplo o Novo Código Florestal, do qual falávamos: se
os pequenos produtores fossem do interesse de nossos representantes
governamentais, há muito teriam sido beneficiados com uma verdadeira política
latifundiária, projetada especialmente para eles, considerando suas condições
reais de produção, o impacto ambiental do sistema empregado, a questão
tributária, o incentivo fiscal para cada uma das regiões brasileiras segundo
sua realidade, o trabalhador rural (as pequenas propriedades ainda ocupam uma
pequna área produtiva do Brasil e ainda assim, oferecem maior número de
empregos do que as grandes propriedades latifundiárias), o uso moderado de
tecnologia apropriada para cada cultura, sistema de produção, prática de
cultivo empregada ou de criação, estimular a policultura, punir as propriedades
ociosas que hoje devem estar em torno de que?, mais de 40 milhões de hectares
em todo o país?, fazer com que se facilite o escoamento da produção e investir
no mercado interno, não desprezando, é claro, os excedentes destinados à
exportação, garantindo aos pequenos e médios produtores preços mínimos,
subsidiando unidades de beneficiamento, armazenamento e também de transformação
dos gêneros produzidos pelas pequenas e médias propriedades rurais. Mas nada
disso foi é e feito. Ou será que estive hibernando por muito tempo na minha
fria e escura caverna, a ponto de ter perdido muito do espetáculo?
Num
país onde praticamente nada é levado a sério - suas leis, sua aplicação,
execução, impacto, consequências, alcance - de priapismo político dominante, de
medidas inconsequentes, irresponsáveis e altamente danosas, cuja lesão é, por
muitas vezes, irreversível, é preciso exercer o Poder de Polícia, que tem no
seu povo a expressão maior. Infelizmente ou, na melhor das hipóteses,
felizmente - errando e aprendendo - vivemos num país onde o povo luta e deve
lutar contra a política entreguista, favoretista, antipatriótica e dominadora,
de seus próprios representantes e dos que, não sendo povo pobre e oprimido,
falam através deles.
Possuímos
uma Constituição Federal que expõe com preciosismo os direitos, deveres e
obrigações de cada pessoa e de todas as pessoas juntas; cujo bojo
principiológico é rico em humanismo, daquele velho e tolo sonho de liberdade,
igualdade e fraternidade que é inato em cada um de nós. Uma resposta precisa
ensejaria uma grandiloquente discussão histórica-crítica sobre a políca e
economia nacional e mundial. E cá entre nós, não estou querendo convencê-lo a
juntar-se a mim em mais uma aventura pela Terra da Dialética Material. Mesmo
porque, hoje, o lance é Trialética, Tetralética, Pentalética...
Mas
note que até aqui eu não mencionei a importância da riqueza de espécies da
fauna e da flora que existe no território nacional. Num mundo onde mais de 2
bilhões de pessoas padecem a falta de água potável, o Brasil, na Amazônia,
detém nada mais nada menos que 1/6 de toda a água doce do planeta. Tudo isto e
muito mais vem sendo itinerareamente arruinado. Estamos entregando de bandeja o
que é nosso de direito e de fato, historicamente nosso, unicamente nosso, aos
grupos nacionais de exploração econômica e aos governos transnacionais que não
querem saber da maioria, que continuam seguindo a filosofia nômade e sedentária
do homem do paleolítico inferior, de sugar e depois jogar fora o bagaço. São
muitos fatores interligados. Uma vastissima teia de fusões políticas,
originalmente econômicas, e sociais. Interesses, ideologias.
Após
enxergar o que há por trás do baile de máscaras, diga-me: o que viu?
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