18 de setembro de 2020

O deserto do real

 




As queimadas no Pantanal não são um acidente: um cigarro não faz tanto estrago e se fosse, seria o primeiro que atinge apenas terras públicas e áreas de preservação.

As queimadas no Pantanal não são obras de brigadistas e ambientalistas: são eles que lutam, dia e noite, colocando suas vidas em risco, para apagar o fogo no solo e no subsolo.

As queimadas no Pantanal são criminosas e os responsáveis diretos são os grileiros donos de terras, que usam a "técnica" das queimadas "acidentais" há décadas, visando ocupar terras públicas sem pagar por elas. As queimadas criminosas consumiram até agora 15% do maior bioma pantanoso do mundo: segundo dados do Ibama, foram queimados até as cinzas mais de 2 milhões de hectares. Pra se ter uma idéia, essa área corresponde a quase 10 vezes as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro JUNTAS. A tendência, infelizmente, ainda é aumentar durante a estiagem, quando quase não chove na região.

Desde a década de 90, nunca se viu tanta destruição.

Também podemos qualificar o governo atual como responsável indireto. De acordo com a PF, há indícios de que as queimadas começaram deliberadamente em áreas de mata nativa dentro das próprias fazendas. Qual é a estratégica utilizada pelo dono da terra? Como ele é proibido de desmatar áreas públicas ao redor da sua propriedade, ele inicia o fogo no entorno dela, nas áreas inóspitas, para que o fogo parta dali em direção às terras ambientalmente protegidas sem levantar suspeitas.

Onde o governo bolsonarista entra? Na certeza da impunidade. Por um lado, Ricardo Salles, ministro do meio ambiente, cede avião da FAB para transportar grileiros à Brasília a fim de participar de reunião conjunta, com todas as mordomias, e por outro, pega leve com as multas por crimes ambientais, que caíram pela metade este ano.

O governo de Bolsonaro fez drásticos cortes no orçamento do MMA, reduzindo em 58% as verbas destinadas à contratação de profissionais para combate e controle de incêndios florestais. O presidente proibiu a intervenção do exército, que segue calado, cumprindo ordens que atentam contra a nação, e, quando perguntado, o presidente desdenha e minimiza a tragédia, por vezes transferindo a culpa para ambientalistas, brigadistas e mídia.

Recentemente, a ONU fez mais um alerta ao Brasil sobre o risco iminente de sofrer cortes maciços no investimento realizado por outros países, devido ao descaso governamental à devastação da Amazônia e Pantanal, e oito desses países enviaram carta aberta ao vice-presidente Mourão confirmando essa possibilidade.

Os ecocidas seguem firmes e seguros em seu propósito de destruir até a última árvore e animal silvestre, pensando unicamente no lucro. Eles negam as mudanças climáticas, desconhecem a redução da polenização, a alteração no geomagnetismo, o deslocamento das placas tectônicas, e acreditam, arrogantemente, que os recursos naturais que exploram para lucrar não têm fim. Eles têm certeza que nada mudará, que novas pandemias não virão, que catástrofes naturais aceleradas pela destruição ambiental são mentiras e que a sanha humana por carne será perpetua. Eles não entendem que a Terra gira e, com ela, giramos todos. E que as peças no tabuleiro não só se movimentam, como são jogadas pra fora dele.

Eles não sabem - e negariam se soubessem - que as peças somos nós. E que o tabuleiro corre o risco de virar.

 


Caostopia se retirou, achou demais até pra ela

Quase 14 milhões de desempregados e mais de 10 milhões passam fome, segundo o IBGE. Além dos números do desemprego e da fome, que crescem acelerados, o subdesenvolvimento social se agiganta ainda mais com 41,1% da população trabalhadora vivendo de subemprego (leia-se, sem renda fixa e direitos), ou seja, 38,8 milhões de brasileiros sobrevivendo da informalidade (dados de setembro de 2019).

No Twitter, o presidente faz questão de culpar o petê, dizendo que tudo o que acontece hoje é responsabilidade do partido dos trabalhadores. O partido em questão não está no poder desde 2016, mas, segundo o presidente ultradireitista, que prometeu mundos e fundos em 2018 e nada fez em quase 2 anos de governo, são os fantasmas de Lula e Dilma que o impedem de governar como o salvador da pátria que seus seguidores acreditam ser.

O engraçado é que o governo Lula assumiu a gestão de um país quebrado, em recessão econômica e subdesenvolvimento humano alarmante, sem nenhuma credibilidade internacional e devendo ao FMI até os fundilhos furados, mas, em vez de chorar a má gestão direitista desde Getúlio, focou esforços na solução de problemas e em medidas plausíveis de crescimento sócio-econômico aplaudidas internacionalmente. Não é fake news, são fatos que a História do Brasil conta em números, documentos, obras, serviços e mudanças percebidas.

E o que o chefe do clã Bolsonaro fez até aqui pelo país, além de servir aos interesses dos EUA e dos cartéis econômicos e religiosos?
- Não investiu em Educação, pelo contrário, foi um dos que assinou o congelamento orçamentário por 20 anos;

- Não investiu na Saúde, pelo contrário, fatiou verbas e mostra descaso total com a pandemia, a qual chama de "gripezinha" e "fantasia da mídia" (porém, gastando bilhões na compra da cloroquina dos EUA, que o próprio governo trumpista descartou);

- Não reduziu o valor do dólar em real, pelo contrário, a moeda nacional segue em queda, desvalorizada;

- Não diminuiu o preço da gasolina e do gás de cozinha (a eles juntaram-se o preço da carne e do arroz e de outros itens essenciais da cesta básica, devido ao abuso inflacionário);

- Não impediu a reforma previdenciária que disse ser contra;

- Não fez o mercado interno crescer (empresas fecham, multinacionais retiram suas filiais, o pequeno comerciante é excluído da "receita milagrosa" de Paulo Guedes);

- Não aumentou o PIB, como Guedes disse que faria, pelo contrário, o Produto Interno Bruto vem caindo alarmantemente e mesmo sem a pandemia já vinha despencando;

- Não economizou mesmo com cortes e reduções, pelo contrário, gastou com cartão corporativo o que nenhum outro presidente fez, com emendas parlamentares (compra de votos nas duas reformas e apoio do centrão de Rodrigo Maia), com falsa propaganda, com criação de novos cargos comissionados para militares;

- Não trouxe novos investimentos ou expandiu os que tínhamos, mas os colocou em risco;

- Não acabou com a corrupção e a mamata, pelo contrário, reafirmou;

- Não agiu com impessoalidade, pelo contrário, intervém nas polícias e compra o apoio de militares com privilégios;

- Não reduziu a dívida pública, pelo contrário, pretende fazer a reforma administrativa deixando juízes, parlamentares e militares de fora (os que ganham maiores salários, até acima do teto);

- Não cobrou sonegadores que devem bilhões aos cofres públicos, pelo contrário, os anistiou;

- Não aumentou a credibilidade do país lá fora, faz questão de perdê-la.

O projeto que Bolsonaro assina é o mesmo de Pinochet, a quem admira, e que sucateou o Chile, entregando-o de bandeja às empresas e especuladores, que capitalizaram até a última gota dos direitos civis.

É como a série brasileira 3%, estamos chegando lá: com o "Brasil acima de tudo e Deus acima de todos" - o Brasil excludente, reservado a 3%; o deus capital, que exclui o pobre do paraíso. Well done, brazilians!

 



 

29 de abril de 2019

Inevitabilidade



Pra cada livre escolha que você pode, existe uma consequência que você deve.

A insustentável leveza da simploriedade

É simplório e reducionista, com o perdão do eufemismo, acreditar em meritocracia. Não existe isso em uma sociedade capitalista segmentada que se faz da desigualdade e se torna, a cada ciclo, mais desigual. O esforço próprio faz milagres mas ele é limitado e milagres são uma rara exceção. O limite é imposto pelo sistema e ele é aplicado a grande maioria - bilhões de pobres em todo mundo, dezenas de milhões nesse país e subindo. 

Em 2017, só no Brasil registrou-se uma mega concentração de renda nas mãos de 6 pessoas que, juntas, somam o equivalente da renda da metade pobre do país. O capitalismo vai avançando, tornando-se mais o que é, e a cada ano, com o aumento populacional, o número de pobres cresce enquanto o de ricos se reduz a um clube de VIPs. Estamos vivendo numa espécie de distopia leve ou os preparativos de algo ainda mais impactante. A essa altura, depressão, síndrome do pânico e ansiedade são algumas das enfermidades desenvolvidas, seguidas ou não de suicídio, cujos índices crescem assombrosamente (hoje, o Brasil ocupa o 1º lugar no ranking da América Latina de casos de suicídios registrados, a maioria vitimando adolescentes e jovens adultos), enfermidades que atingem especialmente os centros urbanos das grandes metrópoles, onde se concentram milhões de pobres buscando independência econômica num meio de profunda escassez em que as oportunidades, que já eram poucas, diminuem e afunilam. 

Com tantos aspectos, fatores, espectros e vieses sócio-econômicos apontando para o mesmo problema sistêmico, o discurso da meritocracia não é só falacioso, é estúpido e cruel. Persistir nele é varrer o real problema para debaixo de um tapete velho, desbotado e carcomido, que também tem seus dias contados.

23 de agosto de 2017

A inevitável maturidade do tempo


"Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora. Tenho muito mais passado do que futuro.

Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.

Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral. ‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’.

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa.

Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!"

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TEMPO QUE FOGE, de Ricardo Gondim, extraído do livro "Creio, Mas Tenho Dúvidas" (pelo que verifiquei o texto acima foi atribuído erroneamente ao escritor brasileiro Mário de Andrade sob o título O Valioso Tempo dos Maduros, e também a Rubem Alves e a Mário Coelho Pinto de Andrade, escritor angolano confundido com Mário de Andrade).

Declamação de Antonio Abujamra, ator.