Outro dia, estávamos conversando sobre animações francesas.
Pediram-me para indicar uma ou duas obras consideradas interessantes o
bastante para valer a pena assistir. "Não indico duas, indico nove", eu
disse, "... a começar: Pelo espetacular clássico "AS BICICLETAS DE BELLEVILLE"...
... e os fabulosos "CONTOS DA NOITE"
... seguidos dos contos de horror "PEUR(S) DU NOIR"
Depois, o cult "PERSEPOLIS"
... e o icônico "O MÁGICO".
Seguidos do genial "O GATO DO RABINO"...
... do outro felino, "UM GATO EM PARIS"
e da crítica animação de humor negro "A PEQUENA LOJA DE SUICIDIOS".
"Por fim, encerrando as indicações de hoje," eu disse, "com o belo "JACK E O CORAÇÃO MECÂNICO".
Depois veio a sessão "animações encantadas japonesas", com uma cascata de clássicos e modernos do tamanho de um mecha.
Mas e vocês, tem algo em mente para animar o cinema em casa de hoje?
"Você confia nessa pessoa para
creditá-la tamanha confiança?", certa vez perguntei ao amigo.
"Não cegamente, eu seria tolo se assim o
fizesse", respondeu.
"Porém o suficiente", insisti.
"Creio que sim", deu de ombros,
"Temos afinidades ideológicas e políticas, ela tem estado próxima, é do
meu círculo".
"Círculos são quebrados o tempo todo,
círculos podem sem viciosos", eu disse.
Ele pareceu considerar. "E se fosse você, o que faria?", questionou.
"Evitaria situações assim. Contudo, se
fossem impossíveis de afastar, eu seria como o rei desconfiado que mantém sob
vigilância os mais próximos de si".
Ele piscou, espantado, e sacudiu levemente a
cabeça, sorrindo. "Por que ainda me admiro vindo de você?"
Deslizei no banco, esticando as pernas, e
cruzei os braços. "Pense bem, é como o ponto cego de uma câmera",
indiquei, com uma inclinação de cabeça, o equipamento no alto, acima de nós, com
seu olho mecânico apontando para a praça. "O mais seguro é manter-se
fora do seu raio de alcance, e que melhor lugar que o ponto cego? Estar perto
da câmera o suficiente, sob ela, é a 'cobertura circunstancial'
perfeita, o esconderijo e a camuflagem. O mesmo ocorre com os mais próximos,
aqueles que chama de "amigos" pela conveniência da situação, esses a
quem delega tarefas e poderes para falar e agir em seu nome".
Ele cruza os braços sobre a mesa de pedra. Ao
lado, um cachorro sem dono fareja alimento. O incômodo revira em meu peito.
"No meu lugar, o que faria?", ele acena. "O que sugere?"
"Eu não estaria no seu lugar. Por outro
lado, não me custa sugerir e minha recomendação é redefinir aquele famoso
ditado para algo mais apropriado".
"E que seria...?"
"Mantenha os inimigos perto (o
suficiente do seu raio de visão)... e os amigos mais ainda".
"Você as vezes me dá medo", ele
riu.
"É culpa de Sekhmet. Quando resolve
transitar pelos corredores de Anúbis".